Aulas Filosofia


Profª Margarida Jansen Ensino Médio
Filosofia

Quando dizer é fazer
Objetivos
- Familiarizar os alunos com os conceitos-chave da teoria dos atos de fala e a importância que essa teoria ocupa na virada lingüístico-pragmática da filosofia.

- Trabalhar as habilidades de formação e aplicação de conceitos, formular exemplos e investigação de texto.

Observação: as atividades propostas abaixo pressupõem que os alunos tenham lido o texto "Quando dizer é fazer". Além disso, o professor poderá realizar uma aula expositiva sobre o tema, para esclarecer possíveis dúvidas dos alunos.
Exercício 1: O jogo dos atos de fala

Os alunos formam duplas ou trios em que elaborarão quatro frases, sendo que, em cada uma delas, deverá haver um tipo de ato de fala predominante. Pois, como vimos no texto, um ato de fala perlocucionário é também ilocucionário e locucionário, mas não é esse o seu sentido dominante. Assim, os alunos poderão elaborar atos de fala predominantemente locucionários (L), quando a única ação do sujeito é a de realizar o ato de fala; ilocucionário (I), quando o sujeito realiza uma ação no ato de dizer algo; e perlocucionário (P), quando o sujeito pretende produzir um efeito em seu ouvinte.

Elaboradas as questões, um grupo disputará com outro da seguinte maneira: um grupo A lerá sua frase e verá se o grupo B classifica a sua frase do mesmo modo como eles a classificaram (L, I ou P). Caso a classificação coincida, o grupo B marcará ponto. A seguir, o grupo B lerá sua frase para o grupo A, repetindo o processo. Sempre há a possibilidade de que o próprio grupo tenha classificado errado sua frase, por isso, a aceitação ou não deve ser pautada pela argumentação de ambas as equipes em busca de um consenso. A mediação do professor deve ser no sentido
de garantir que o diálogo ocorra de modo organizado. Caso considere que os alunos ainda não compreenderam adequadamente os conceitos, o professor pode fazer mais uma rodada, em que os grupos se enfrentarão com grupos diferentes da rodada anterior.
Exercício 2: força ilocucionária

Classifique as expressões abaixo com os números de 1 a 5 quando se tratarem de:

1 - veridictivas
2 - exercitivas
3 - comissivas
4 - conductivas
5 - expositivas

a) Parabéns pelo seu novo emprego! ( )

b) Na verdade, o que eu pretendia dizer é que eu trabalho melhor sozinho do que em grupo. ( )

c) Aonde você vai a esta hora da noite? ( )

d) Garanto que no que depender de mim, correrá tudo certo! ( )

e) Pelas evidências encontradas no local do crime, a única possibilidade é que Pedro seja o assassino. ( )

f) Isso não pode ficar assim! Exijo uma retratação imediata! ( )

g) Pobre João, se continuar com esse comportamento machista nunca conquistará o amor de Maria. ( )

h) - O senhor aceita esta mulher como sua legitima esposa?
- Sim. ( )

i) - Eu vos declaro marido e mulher. ( )

j) Espero que você não se meta novamente em encrencas. ( )

Feita a classificação, o professor pode propor aos alunos que leiam suas respostas e as justifiquem.

Respostas para controle: a-4, b-5, c-2, d-3, e-1, f-2, g-4, h-3, i-1, j-2.
Exercício 3: interpretação de texto

Responda às seguintes questões:

1) O que se pretende ao dizer que na teoria dos atos de fala "o uso da linguagem tem precedência sobre a semântica"?

2) Qual a nova tarefa da filosofia dentro da teoria dos atos de fala?

3) O que diferencia a investigação filosófica de outras ciências da linguagem?

4) Que tipo contribuições a investigação filosófica sobre a linguagem pode oferecer?

Interdisciplinaridade: Convide o professor de Sociologia para apresentar a teoria da ação social de Max Weber, depois promova um debate com os alunos, discutindo sobre em que casos um ato de fala poderia ser considerado uma ação social.


Filosofia da linguagem (6)

Austin e Searle e os atos de fala

Costuma-se dizer que "quem fala demais não faz", ou que se deve "falar menos e agir mais". Tais provérbios indicam uma quase oposição entre o agir e o falar. Mas você ficaria surpreso se alguém lhe dissesse que é possível agir através de palavras? Ou que, em alguns casos, podem-se fazer coisas através da fala? Pois é justamente disso que trata a teoria dos atos de fala.
Atos de fala
A teoria dos atos de fala foi elaborada inicialmente por John L. Austin (1911-1960) e desenvolvida posteriormente por J.R. Searle. Austin parte da teoria pragmática de Wittgenstein de que é o uso das palavras em diferentes interações lingüísticas que determina o seu sentido. Esse sentido, porém, não se reduz apenas ao das proposições declarativas do tipo: "a parede é azul".

Vimos com Wittgenstein que, dependendo do jogo de linguagem, o sentido de uma proposição pode mudar. Por isso, é necessário investigar os diversos tipos de enunciados que, diferentemente do exemplo acima, não são uma mera constatação de coisas.

Ao investigar essa questão, Austin descobre que determinadas sentenças são na verdade ações. Ou melhor, que dizer é fazer, na medida em que, ao proferir algo, estou simultaneamente realizando uma ação. Vários são os tipos de ações que podemos realizar ao dizer algo. Quando, por exemplo, digo "sim" perante um juiz ou padre; ao dizer: "nos encontraremos amanhã pela tarde" para um colega; ou ainda, quando pergunto a um amigo: "você tem dez reais para me emprestar?".

Em cada uma dessas frases é realizada uma ação, embora seu sucesso não dependa apenas do sujeito que as profere, mas de uma série de condições. Por exemplo, a noiva pode dizer "não"; posso, mesmo contra a minha vontade, faltar à reunião; meu amigo pode não ter o dinheiro para me emprestar. Isso, contudo, não significa que o que eu disse é falso, apenas que não teve sucesso, do mesmo modo que ocorre com outras ações, quando, por exemplo, corro para pegar o ônibus, mas chego tarde demais. Tendo sucesso ou não, prometer, pedir, exigir, protestar, jurar etc. já são ações por si mesmas.
Diferentes tipos de atos de fala
Chamamos de ato de fala, portanto, a toda ação que é realizada através do dizer. As ações que se realizam através dos atos de fala podem ser muito diferentes. Daí a necessidade de distinguir as diversas dimensões que um ato de fala possui. Falamos em dimensões porque em uma única locução podemos realizar diferentes atos de fala. Por exemplo, na frase: "o senhor está pisando no meu pé", realizo ao mesmo tempo três atos de fala.

O primeiro deles é o ato locucionário, ou seja, o ato de dizer a frase. O segundo ato é o que Austin chama de ilocucionário, o ato executado na fala, ou seja, ao proferir um ato locucionário. Nesse caso, ao dizer "o senhor está pisando no meu pé" não tive a simples intenção de constatar uma situação, mas a de protestar ou advertir para que a outra pessoa parasse de pisar no meu pé. Por fim, há ainda um terceiro ato, chamado de perlocucionário, que é o de provocar um efeito em outra pessoa através da minha locução, influenciando em seus sentimentos ou pensamentos. Na situação descrita, para que o outro tire o pé de cima do meu.

Temos assim o ato locucionário de dizer algo, o ato ilocucionário que realiza uma ação ao ser dito e o perlocucionário quando há a intenção de provocar nos ouvintes certos efeitos (convencer, levar a uma decisão etc.).

É claro que nem todas as expressões são dotadas dessas três dimensões, pois isso depende da força ilocucionária de um ato de fala. A força ilocucionária é algo bem diferente do significado puro e simples da frase, pois ela está diretamente ligada às interações sociais que se estabelecem entre os falantes, relações que podem ser de autoridade, cooperação etc.
Tipos de expressão
Austin classificou em cinco grupos os tipos de expressões de acordo com a força ilocucionária de cada uma delas. São elas:

1) Expressões veridictivas: que dão um veredicto sobre determinado assunto, podem ser feitas por um juiz, um médico falando sobre uma doença, ou mesmo em situações cotidianas em que sustentamos algo com base em valores ou provas;

2) Expressões exercitivas: consistem em tomar uma decisão a favor ou contra determinado comportamento. Diferenciam-se da situação anterior por não serem apenas juízo, mas decisão. Exemplos: proibir, estimar, confiar, prescrever, conceder, exigir, propor etc.

3) Expressões comissivas: aquelas que comprometem o falante com o cumprimento de algo. Exemplos: jurar, garantir, provar, combinar etc.

4) Expressões conductivas: trata-se de uma reação em relação ao destino ou conduta de outros. Exemplos: felicitar, criticar, saudar, desejar, lamentar, queixar-se etc.

5) Expressões expositivas: sua intenção é tornar claro como a expressão do falante deve ser considerada para permanecer fiel ao seu pensamento. Exemplos: comunicar, relatar, testemunhar, reconhecer, corrigir etc.
Papel da filosofia
Ao apresentar a teoria dos atos de fala, ou de que o uso da linguagem tem precedência sobre a semântica, nos distanciamos das posições essencialistas da filosofia. Por outro lado, parece que a filosofia não tem mais nada a fazer ou que se confundiu com a sociologia ou antropologia.

Segundo Austin, existe um campo de investigação que é próprio da filosofia e que só ela é capaz de realizá-lo. Trata-se da análise da linguagem que parte da linguagem comum, como outras ciências, mas que não permanece na mera superfície dos fenômenos. Interessa à filosofia não o uso que se faz de uma língua nesta ou naquela cultura, mas sim as regras subjacentes às diferentes interações lingüísticas.

Ao contrário do cientista, que busca regularidades empíricas através de entrevistas com os usuários de uma determinada língua, o filósofo realiza um saber reconstrutivo da língua como um sistema de ação regrada. Ou seja, interessa à filosofia quais as condições de possibilidade de funcionamento de uma linguagem. Por exemplo: o que torna possível um ato de fala?

A filosofia não busca meramente apresentar os fenômenos, mas entender as condições de possibilidade e de validade em que eles se realizam. Dizer, por exemplo, que o sentido de uma locução é dependente do contexto, não explica como é possível traduzir uma expressão de uma língua para outra. A tradução mostra justamente que é possível passar de um jogo de linguagem para outro, o que colocaria a questão: será que além dos contextos específicos em que se realiza uma fala, não existem determinadas regras ou condições que são independentes do contexto? Ou ainda: existem regras comuns a qualquer jogo de linguagem (por exemplo, seguir regras)?

Austin não chegou a investigar sobre a possibilidade de fazer uma crítica da linguagem a partir de princípios normativos, isto é, a partir de uma "metarregra" ou "metalinguagem" capaz de oferecer critérios para avaliar a linguagem comum, mas abriu o caminho para uma nova geração de filósofos contemporâneos, como John Searle, Jürgen Habermas e Karl-Otto Apel, entre outros.

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